quarta-feira, 31 de março de 2010

Porquê comemorar a República?

Há quase cem anos uma revolução pôs termo à velha monarquia para proclamar uma república. Foi no dia 5 de Outubro de 1910. Por isso, estamos a comemorar o centenário de uma república cujos valores e ideário, com múltiplas vicissitudes e significativos desvios, dos quais o mais traumático foi a longa ditadura salazarista, sobreviveram até aos nossos dias.
Oficialmente, as comemorações do I Centenário da República decorrerão entre 31 de Janeiro e 5 de Outubro de 2010, prolongando-se, com a realização de acções pontuais, até à data do centenário da Primeira Constituição republicana (1911). A Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República estabelece, no seu enunciado, que cabe também às instituições do sistema educativo “ assumirem um papel muito preponderante […], devendo as iniciativas a promover no âmbito do Programa das Comemorações privilegiar as componentes educativa e pedagógica da celebração da implantação da República e da evocação dos valores republicanos, envolvendo professores, pais e alunos.”
A evidência da efeméride, como não podia deixar de ser, vai trazer a sua habitual profusão de eventos. E, seguramente, haverá eventos e discursos para todos os gostos, com diferentes tonalidades e motivações divergentes (políticas, ideológicas, éticas). Por isso, ocorre-nos relembrar as sábias palavras de António Barreto, orador convidado para as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, em 2009:

Os Estados gostam de comemorar e de se comemorar. Nem sempre sabem associar os povos a tal gesto. Por vezes, quando o fazem, é de modo desajeitado. “As festas decretadas, impostas por lei, nunca se tornam populares”, disse também Eça de Queirós. Tinha razão. […]
Comemora-se para criar ou reforçar a unidade. Para afirmar a continuidade. Para reinterpretar o passado. Para utilizar a História a favor do presente. Para invocar um herói que nos dê coesão. Para renovar a legitimidade histórica. São, podem ser, objectivos decentes. Se soubermos resistir à tentação de nos apropriarmos do passado e dos heróis, a fim de desculpar as deficiências contemporâneas.
Não é possível passar este dia sem olharmos para nós. Mas podemos fazê-lo com consciência. E simplicidade […] É a pensar nessas gerações [futuras] que devemos aproveitar uma comemoração […] para melhor ligar o passado com o futuro
.”

Em tempos de "crises" de valores e de referências, estas comemorações nacionais servem para relembrar o passado, que, pelo seu valor simbólico, permite consolidar a nossa memória colectiva e a nossa identidade nacional. Mas, sobretudo, devem proporcionar uma reflexão crítica sobre o presente para desbravar caminhos para uma República que respeite e cumpra, efectivamente, o seu ideário e os seus valores .
Uma República da dignidade, da liberdade, da justiça, da equidade, da solidariedade.