segunda-feira, 23 de maio de 2011

Lembrar para compreender: a agonia do Estado Novo e os enigmas da sua longevidade


“Lembrar para compreender: a agonia do Estado Novo e os enigmas da sua longevidade”
Conferência com o Prof. Doutor Álvaro Garrido.


No passado dia 29 de Abril de 2011, no âmbito das actividades comemorativas do 25 de Abril este ano, foi proferida na Escola Secundária da Mealhada uma conferência pelo Prof. Doutor Álvaro Garrido, cujo título foi “Lembrar para compreender: a agonia do Estado Novo e os enigmas da sua longevidade”, organizada pelo grupo disciplinar de História (Departamento de Ciências Sociais e Humanas) e pela Biblioteca Escolar.
O conferencista é professor na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde coordena o Grupo de História Económica e Social. Este investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX da Universidade de Coimbra e antigo director do Museu Marítimo de Ílhavo é Doutorado em História Económica e Social pela Universidade de Coimbra. Pela sua actividade científica, foram-lhe atribuídos vários prémios (História Contemporânea Victor de Sá e História Contemporânea Alberto Sampaio), tendo publicado alguns livros importantes sobre a História de Portugal do séc. XX, nomeadamente “O Estado Novo e a Campanha do Bacalhau” (2010), uma biografia de Henrique Tenreiro (2009), “Portugal no Mar: Homens que foram ao bacalhau” (2008), entre outros.
A conferência teve como tema central a questão da longevidade do Estado Novo, uma vez que o autor considera intrigante e fundamental perceber porque é que este regime foi “a mais duradoira das ditaduras europeias que se formaram no período das duas guerras e a mais institucionalizada de todas elas”.
Como historiador que é, considera que a melhor maneira de comemorar o 25 de Abril é evitar o esquecimento e combater uma certa “amnésia deliberada”. A História será, pois, uma forma de construir uma “memória estruturada num discurso ordenado e racional sobre o passado”.
Álvaro Garrido apresentou seis teses que poderão explicar a longevidade do Estado Novo e do Salazarismo, tendo em conta que não haverá apenas uma ou duas causas explicativas para o facto, mas antes uma “explicação multicausal”.
Na primeira dessas teses, o conferencista fez o enquadramento interno e externo da implantação do Estado Novo, o qual surgiu num contexto de crise generalizada do regime Liberal que vigorava em muitos dos Estados europeus da época. Nos anos 20 e 30 do século XX, surgiram, como vaga de fundo, ideologias que propunham soluções autoritárias e totalitaristas, os quais se foram impondo em quase todos os países europeus.
Também em Portugal, o sistema parlamentar se encontrava em profunda crise, primeiro com a erosão da Monarquia Constitucional e, depois, com as profundas clivagens sócio-políticas criadas com a Implantação da República.
A crise de legitimidade da I República, com um exército dividido e politizado desde a participação de Portugal na Grande Guerra, encontrou numa coligação antidemocrática (republicanos conservadores, monárquicos, católicos e integralistas), unidos em torno da ideia da necessidade de impor a ordem e da reposição do Estado, os agentes para a institucionalização de um regime autoritário em Portugal. O autor considera que os movimentos fascistas não tiveram grande expressão, uma vez que Portugal não reuniria condições típicas para a propagação de um fascismo na plena acepção da palavra, e que estes agentes assentavam antes num conjunto genérico de ideias “reaccionárias e contra-revolucionárias” típicas da época (Integralismo Lusitano).
A ascensão do poder de António de Oliveira Salazar, durante a Ditadura Militar (1926-33), fez-se num contexto vazio ideológico e nas dificuldades de institucionalização de uma “Ditadura sem ditador”, aproveitado para, a pouco e pouco, se ir impondo através de uma ditadura financeira e de uma imagem de credibilidade técnica e política, assim como do controlo dos militares, assente num compromisso institucional (os Presidentes da República foram sempre militares), e dos movimentos fascistas mais radicais, integrados na União Nacional ou neutralizados.
Nesta sua primeira tese, Álvaro Garrido considera, portanto, que o Estado Novo, não obstante as suas originalidades, surgiu no mesmo contexto que outros regimes análogos surgiram por toda a Europa na época, de ideologia essencialmente antiliberal, antidemocrática, antiparlamentar e anticomunista, e que propunha como fórmula de estruturação social e económica o corporativismo, uma “terceira via entre o capitalismo liberal e o socialismo colectivista, procurando assim “disciplinar” o Capital e o Trabalho de acordo com os “interesses nacionais”.
A segunda tese que explicará a longevidade do Salazarismo refere-se à “singularidade do nacionalismo português”. Segundo o autor, em Portugal muito poucos colocaram em causa a existência do Império e do colonialismo. Era generalizada a ideia (“efabulação ideológica”) de que o colonialismo português era diferente dos demais e que fazia parte do “destino histórico” de uma “pequena nação” mas com “grandeza imperial”. Salazar terá aproveitado este largo consenso em torno da questão colonial, um “nacionalismo imperial” como o autor lhe chama, para proceder a uma “refundação” do Estado com a Nação.
A terceira tese aponta a “eficácia do projecto cultural do regime” como forma de prevenir e reprimir a oposição, procurando impor uma anestesia cívica e utilizando eficazmente a propaganda política. Para tal serviu a “política do espírito” animada pelo Secretariado da Propaganda Nacional (SPN), depois Secretariado Nacional de Informação (SNI), de António Ferro, o papel da Escola, em especial o ensino da História baseado no culto dos heróis e de uma mistificação do passado, a acção da Igreja Católica, as organizações de juventude (Mocidade Portuguesa, a sua congénere feminina, mas também o movimento escutista católico), entre outros meios. Como o autor sublinhou, o regime promoveu a apatia e desmotivava acções de rua, ao contrário dos movimentos fascistas europeus, assim como procurava conter o pensamento num estado conformista e acrítico. Promovia, portanto, o “fazer viver Portugal habitualmente”, nas próprias palavras de Salazar em 1937.
A quarta tese aponta uma política económica que promovia a autosubsistência económica de um país (autarcismo) e, consequentemente, um nível reduzido de integração externa, procurando evitar os graves erros que a República a este nível tinha cometido. Esta política implicou que o Estado procurava dirigir a economia e proteger determinadas corporações e sectores de actividade, com o objectivo de estabilizar o abastecimento alimentar, evitar a escassez e a carestia, impedindo o protesto popular e garantindo uma “paz social obrigatória”. Assistiu-se a uma valorização da agricultura em detrimento da industrialização, que também tinha uma correspondência ideológica na glorificação das virtudes do ruralismo face à dissolução atribuídas à cidade e à indústria.
Até à II Guerra Mundial, não interessou ao Estado Novo fazer desenvolver a economia, mas tão-somente contê-la nos estritos limites que servisse ao regime. Só então se assistiu a uma abertura à industrialização, contida e moderada, imposta pela necessidade de substituir importações durante o conflito, mesmo assim sujeita ao condicionamento industrial e ao proteccionismo pautal, assim como às restrições ao investimento estrangeiro.
Este cuidado em isolar economicamente Portugal do estrangeiro também se verificou na política monetária, procurando amortecer o efeito das crises externas e conter os ímpetos inflacionistas o mais possível.
A situação alterou-se significativamente com a abertura de Portugal após a II Guerra Mundial (Plano Marshal, 1948, adesão à EFTA, 1960), embora a esta modernização económica não tivesse correspondido uma modernização social de igual modo, numa contradição que o regime não teve interesse em resolver.
A quinta tese refere o efeito protector de uma política externa “atlântica”, que implicou, por um lado o afastamento de Portugal das questões continentais europeias (e da Guerra) e, por outro, a reafirmação de uma vocação atlântica, da fidelidade à aliança com a Inglaterra e da defesa da integridade dos territórios ultramarinos. Estabeleceu também uma “amizade peninsular” com a Espanha franquista, anulando a principal ameaça externa. Esta política externa, essencialmente pragmática, teve sempre por critério fundamental a sobrevivência do regime na gestão das diversas crises que Salazar enfrentou: a ascensão dos republicanos ao poder em Espanha e a Guerra Civil que se seguiu, a neutralidade na II Guerra Mundial, a adesão à NATO, aproveitando os alinhamentos que a Guerra Fria impunha, e a adesão à ONU, em 1955.
Foi só a partir do final da década de 50 do século XX que se assistiu a um crescente isolamento internacional, acentuado com o eclodir da Guerra Colonial em 1961, mas até então Salazar foi muito hábil a evitar envolver Portugal em perigosas aventuras políticas e militares no exterior, poupando o regime às mesmas consequências desastrosas que a participação na I Guerra Mundial tinha trazido à I República.
A última tese apresentada tem a ver com o relativo êxito das relações com os militares e a capacidade reduzida que as oposições demonstraram para derrubar o regime. A relação com os militares foi fundamental na construção do regime. Afinal, o Estado Novo emerge de uma Ditadura Militar e na Presidência da República sucederam-se sempre militares. Até 1945 a “cooptação e subordinação da elite militar é eficaz”, segundo o autor, mas as dissidências manifestam-se a partir de então, como foi o caso expressamente referido por Álvaro Garrido da denominada Revolta da Mealhada, episódio ocorrido em Outubro de 1946. A manifestação de dissidência por parte de militares intensifica-se com a chamada geração NATO, ou seja, daqueles que, no âmbito desta organização internacional, vão contactando com outras realidades políticas e verificando que é possível evoluir politicamente. Será o caso, por exemplo, de Humberto Delgado. Com a Guerra Colonial, a situação modifica-se à medida que o regime não consegue uma solução política, assistindo-se a um cada vez maior compromisso de militares com a oposição, culminando com o golpe militar do 25 de Abril.
Foram estas as 6 razões apresentadas por Álvaro Garrido para explicar a longevidade de um regime que começou por ser um regime de excepção mas que acabou por durar 47 anos e 10 meses, 40 dos quais com António de Oliveira Salazar no poder.
Além destes, o autor apontou outros paradoxos que acabam por caracterizar a ditadura e concorrer para a sua longevidade: foi um projecto político e social que se anunciou regenerador mas que foi ultra-conservador e que substituiu as oligarquias liberais por outras; constitui-se contra a República liberal mas não restaurou a monarquia; afirmou-se como reparadora dos excessos anticlericais do republicanismo jacobino, mas não permitiu que o Estado fosse confessional; foi ditatorial, mas consentiu mais eleições do que outro qualquer, embora fossem obviamente não-livres; teve um discurso corporativista mas nunca o foi de facto; ilegalizou os movimentos fascistas mas não prescindiu de organizações paramilitares de cariz fascista.
Como balanço final, cremos que foi uma conferência de alto nível científico, que contribuiu para uma reflexão renovada acerca de uma boa parte da História de Portugal do século XX, constituindo uma excelente síntese a ser utilizada nas aulas como material de estudo.

terça-feira, 13 de abril de 2010

O Bussaco


COMISSÃO MUNICIPAL REPUBLICANA DA MEALHADA

Teve lugar no teatro da Mealhada, no dia 12 de Maio de 1907, uma reunião de republicanos, presidida pelo Dr. Albano Coutinho, membro do directório do Partido Republicano, conhecido e acérrimo defensor das ideias democráticas e avançadas.
A reunião teve por fim eleger a comissão municipal da Mealhada e paroquial da Vacariça, sede da freguesia.
A Comissão Municipal ficou constituída pelos seguintes cidadãos:

Efectivos:
Dr. Manuel Duarte da Pega, advogado;
Dr. Lúcio Paes de Abranches, médico;
José Duarte de Figueiredo, capitalista;
Feliciano de Oliveira Rocha, industrial e proprietário;
José Ferreira de Carvalho, negociante.

Substitutos:
António Ruivo de Figueiredo, farmacêutico;
Manuel Rosal, proprietário;
José Correia Júnior, farmacêutico;
António Simões Bispo, industrial;
Adriano Guedes Gouveia, negociante.

Comissão Paroquial da Vacariça

Efectivos:
Augusto Cerveira, arquitecto;
Adriano Cerveira Baptista, negociante;
José Lopes de Melo, proprietário;

Substitutos:
Joaquim Pereira dos Santos, industrial;
Manuel Fernandes Jorge, proprietário;
Maximiano da Conceição, artista.

“Reunião Republicana”, O Bussaco, Luso, 19-05-1907, Ano II, nº 71, p. 1, col. 3.

quarta-feira, 31 de março de 2010

Os Presidentes da República







As mulheres que se destacaram na Primeira República











Afonso Costa


Afonso Costa, patriarca da Primeira República, nasceu no dia 6 de Março de 1871, em Seia, perto da Serra da Estrela.
Tinha grandes problemas de saúde, sendo dado por incurável. No entanto sobreviveu graças aos esforços e cuidados dos pais, Sebastião Fernandes da Costa e de Ana Augusta Pereira.
Tinha dois irmãos mais velhos: Artur Augusto Costa e Maria Augusta Costa.
Era muito irrequieto na sua juventude, por isso foi enviado para junto dos avós aos nove anos, em Santa Marinha, com o objectivo de prosseguir os seus estudos.


Após finalizar o secundário, ingressou no curso da Faculdade de Direito, na Universidade de Coimbra. Mais tarde viria a leccionar Economia Política e organização Judiciária nesta mesma faculdade. Foi aqui, enquanto estudava na Universidade, que Afonso Costa descobriu a política. Tornou-se membro do PRP (Partido Republicano Português) e como político foi um bom orador e dinamizador, apesar de criticado e caricaturado nos jornais.


Casou cedo, com Alzira de Barros Mendes de Abreu, e apenas um ano depois do casamento teve um filho, Sebastião, o primeiro de mais três, Maria Emília, Afonso e Fernando. Apesar de ter muito pouco tempo para a família devido à política, Afonso Costa mantinha uma estreita ligação com ela.


Afonso Costa viajou imenso. Esteve na Suíça, em França e em Espanha. Em 1905 passou um tempo na Serra da Estrela, lugar que adorava, a fim de se recuperar da tuberculose que o atacara.








Após o Cinco de Outubro de 1910, Afonso Costa torna-se ministro da Justiça e, nessa qualidade, tomou decisões que revolucionaram a sociedade da época:




  • Restabeleceu a liberdade de imprensa;

  • Legalizou o divórcio;

  • Estabeleceu o registo civil obrigatório;

  • Laicizou o Estado - lei de separação da Igreja e do Estado -, medida muito contestada pelo Clero.

Assim que Sidónio Pais chegou ao poder, Afonso Costa é afastado do governo. Esteve preso ,durante três meses, no Forte da Graça em Elvas. Pouco depois estabeleceu um consultório de advogado em Paris. Em França substituiu Egas Moniz na Conferência da Paz. Dá inúmeras entrevistas e mantêm-se em febril actividade ao serviço da república como diplomata.



Na sequência golpe militar de 28 de Maio de 1926,exilou-se em França onde estabeleceu um escritório de advocacia que funcionaria como quartel-general da resistência ao Estado Novo.
Afonso Costa morreu no dia 11 de Maio de 1937, em Paris, vítima de uma doença súbita.


Bibliografia:


Vieira, Joaquim - Fotobiografias do século XX : Afonso Costa; Lisboa; Círculo de Leitores, (s.d.)

A instrução pública na Mealhada nos inícios do século XX

O Ministério da Instrução Pública, criado em Junho de 1870 por iniciativa de D. António da Costa, durante o curto governo chefiado pelo Duque de Saldanha (Junho a Setembro de 1870), serviu para tentar resolver o grave problema da instrução popular. Quando o Duque de Saldanha foi deposto desaparece o ministério que só volta a ser instituído entre 1890 e Março de 1982.
Até 1913, a “instrução” cruzava domínios de vários ministérios, mas a República que sempre procurara promover o desenvolvimento do ensino primário como um dos seus grandes “sonhos” criou novamente o Ministério da Instrução Pública. Será com o Estado Novo, em 1936, que a designação passa para Ministério da Educação Nacional.
Desde a implantação do regime liberal em Portugal, em 1834, que algumas elites defendiam a necessidade de uma instrução primária generalizada, mas a população de forma genérica permanecia indiferente, quando não hostil a estes avanços. Só quando o crescimento urbano e industrial se acentua é que algumas franjas populacionais sentem a necessidade de mais formação nas primeiras letras. Iniciam-se então cursos de primeiras letras em clubes e associações mutualistas, em regime nocturno ou fora do horário laboral.
Em 1890 o número de professores primários existentes andaria perto dos 4000, em 1910 não chegava aos 6000.Havia ainda as escolas particulares, em número bastante significativo, mas com bastante menos alunos que as públicas.
Neste período final do século XIX e início do século XX discutia-se muito os métodos de ensino, em especial os métodos de leitura, surgindo por isso inúmeras cartilhas, sendo a mais famosa a de João de Deus. Os republicanos enquanto não chegaram ao poder em 1910 designavam o problema do analfabetismo como “a grande vergonha nacional”. Vejamos a evolução lenta desta vergonha: em 1900 havia 78,6% de analfabetos em Portugal; em 1911, baixava ligeiramente para os 75,1%; em 1930, 67,8% da população portuguesa continuava analfabeta.

No concelho da Mealhada, o surto de desenvolvimento surge com a construção da linha de caminho de ferro na segunda metade do século XIX (1861). No Portugal – Dicionário Histórico, vol. IV, dirigido por Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, datado de 1909, assinala-se que a posição “importantíssima, cortada a meio pelo caminho de ferro e pela estrada real, em vasta e fértil planície, e no centro da região vinícola da Bairrada, tem prosperado muito. Os banhos do Luso e as contínuas digressões à serra do Bussaco, que pertencem ao concelho e ficam próximas, têm concorrido muito para o seu desenvolvimento”. Falava-se de desenvolvimento económico, não de desenvolvimento humano e social.
De acordo com os elementos fornecidos por Manuel Rodrigues Breda de Melo, correspondente local do Anuário Comercial de Portugal (1911), vol. II, existiam na sede do concelho somente dois professores oficiais: Ana Luna (interina), José Augusto Cerveira Botelho e um ajudante Eduardo Augusto Moraes. Na freguesia de Barcouço estavam colocados António Ferreira da Costa e António Ferreira Duarte, em Casal Comba assinalavam-se Georgina Esteves de Barros e João Correia de Almeida; no Luso referiam-se Adriano de Sousa Carvalho e Emília Deolinda dos Santos Mendes; na Pampilhosa do Botão existia um único professor: Manuel de Sousa Andrade; finalmente, na freguesia de Ventosa do Bairro, eram apontados Eduarda Moreira e Manuel Rodrigues Novo. Estes sete homens e quatro mulheres deviam ensinar as primeiras letras a uma população que nesta época rondava os 11 246 habitantes.
Segundo o Censo de 1911, existiam na Mealhada 8387 analfabetos, ou seja 74,5% da população. Analisando as seis freguesias do concelho verifica-se que a taxa de alfabetização era mais elevada na Vacariça e no Luso com cerca de 30% da população daquelas freguesias, enquanto Barcouço e Casal Comba eram as mais problemáticas com 22% e 16%, respectivamente. Assinale-se no entanto, a discrepância existente entre a alfabetização masculina e feminina, em 1911 só duas freguesias tinham mais de uma centena de mulheres alfabetizadas, Vacariça com 206 e Luso com 131, nas restantes freguesias esse número rondava as seis dezenas. Consequentemente, o analfabetismo feminino era em número muito superior ao masculino.
O analfabetismo era um problema essencial que a República recém implantada procurou resolver, porque era imprescindível reformar a mentalidade portuguesa e uma das formas de o conseguir era através da instrução e da educação. A “educação republicana” visava a “criação e consolidação de uma nova maneira de ser português, capaz de expurgar a Nação de quantos males a tinham mantido, e mantinham, arredada do progresso europeu, sem força, sem coragem, sem meios para sacudir de si a sonolência em que mergulhara” (Rómulo de Carvalho, História do Ensino em Portugal, 3ª ed, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2001, p. 651). Para atingir este objectivo, os republicanos partiram de duas premissas fundamentais: a gratuitidade e a laicidade. A obrigatoriedade era outro tema recorrente desde Costa Cabral até António Rodrigues Sampaio, mas para os republicanos ela só se realizaria com a democratização do ensino e a resolução da questão religiosa.
Os governos republicanos inovaram nas disciplinas, nos métodos de ensino, aumentaram o número de escolas e de professores, mas estas inovações colidiram com a enorme dificuldade em as concretizar na prática. Vejamos os resultados da sua política no concelho da Mealhada em 1920: a freguesia onde a escolarização básica mais avançou foi na Pampilhosa que registava uma taxa de alfabetização a rondar os 41%, em seguida apresentavam-se a Vacariça e o Luso com 33 e 32% respectivamente, nos últimos lugares com pouco mais de 20% estavam, por ordem decrescente, Barcouço, Ventosa do Bairro e, por último, Casal Comba.
No conjunto do concelho, o analfabetismo ainda atingia cerca de 71% da população. Verifica-se um curioso e significativo crescimento da alfabetização na freguesia da Pampilhosa, sobretudo devido ao ensino do sexo feminino com forte crescimento entre 1911 e 1920. A freguesia de Ventosa do Bairro era a única que registava uma diminuição em relação a 1911.
Chegados a 1930, vivia-se o período da Ditadura Militar e engendrava-se os meandros daquilo que viria a ser o Estado Novo. O analfabetismo ainda atingia 70% da população do concelho. Os avanços globais foram reduzidos. Em metade das freguesias a situação melhorou quando comparada com 1920, foram elas: Casal Comba, Luso e Vacariça, mas as melhorias são pouco significativas. Por seu lado, na Pampilhosa, Barcouço e Ventosa do Bairro o problema agravou-se. A serem fidedignos os dados para a freguesia de Ventosa do Bairro, a situação do combate ao analfabetismo foi completamente abandonada, porque a população continuou a crescer mas os que sabiam ler eram em número muito reduzido, representando somente 8% da população. Porque razão teria tal acontecido? Teria deixado de haver escola na freguesia ou as pessoas procuravam cada vez mais outras paragens para melhorar a sua situação migrando em direcção ao litoral ou emigrando?
Uma curiosidade : em 2003/2004 havia 240 500 alunos no pré-escolar, 1 076 000 no ensino básico e 336 000 no ensino secundário. Existiam 162 000 docentes e 395 478 inscritos no ensino superior. Como os tempos são diferentes!!!
No passado, muitos gostariam de poder estudar mas não podiam, nos nossos dias quase todos podem estudar mas alguns não querem!!!
Artur Mendonça

Porquê comemorar a República?

Há quase cem anos uma revolução pôs termo à velha monarquia para proclamar uma república. Foi no dia 5 de Outubro de 1910. Por isso, estamos a comemorar o centenário de uma república cujos valores e ideário, com múltiplas vicissitudes e significativos desvios, dos quais o mais traumático foi a longa ditadura salazarista, sobreviveram até aos nossos dias.
Oficialmente, as comemorações do I Centenário da República decorrerão entre 31 de Janeiro e 5 de Outubro de 2010, prolongando-se, com a realização de acções pontuais, até à data do centenário da Primeira Constituição republicana (1911). A Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República estabelece, no seu enunciado, que cabe também às instituições do sistema educativo “ assumirem um papel muito preponderante […], devendo as iniciativas a promover no âmbito do Programa das Comemorações privilegiar as componentes educativa e pedagógica da celebração da implantação da República e da evocação dos valores republicanos, envolvendo professores, pais e alunos.”
A evidência da efeméride, como não podia deixar de ser, vai trazer a sua habitual profusão de eventos. E, seguramente, haverá eventos e discursos para todos os gostos, com diferentes tonalidades e motivações divergentes (políticas, ideológicas, éticas). Por isso, ocorre-nos relembrar as sábias palavras de António Barreto, orador convidado para as comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, em 2009:

Os Estados gostam de comemorar e de se comemorar. Nem sempre sabem associar os povos a tal gesto. Por vezes, quando o fazem, é de modo desajeitado. “As festas decretadas, impostas por lei, nunca se tornam populares”, disse também Eça de Queirós. Tinha razão. […]
Comemora-se para criar ou reforçar a unidade. Para afirmar a continuidade. Para reinterpretar o passado. Para utilizar a História a favor do presente. Para invocar um herói que nos dê coesão. Para renovar a legitimidade histórica. São, podem ser, objectivos decentes. Se soubermos resistir à tentação de nos apropriarmos do passado e dos heróis, a fim de desculpar as deficiências contemporâneas.
Não é possível passar este dia sem olharmos para nós. Mas podemos fazê-lo com consciência. E simplicidade […] É a pensar nessas gerações [futuras] que devemos aproveitar uma comemoração […] para melhor ligar o passado com o futuro
.”

Em tempos de "crises" de valores e de referências, estas comemorações nacionais servem para relembrar o passado, que, pelo seu valor simbólico, permite consolidar a nossa memória colectiva e a nossa identidade nacional. Mas, sobretudo, devem proporcionar uma reflexão crítica sobre o presente para desbravar caminhos para uma República que respeite e cumpra, efectivamente, o seu ideário e os seus valores .
Uma República da dignidade, da liberdade, da justiça, da equidade, da solidariedade.